sexta-feira, 5 de junho de 2009

Uma saga familiar chega ao fim - Após 65 anos à frente da Sadia, a família Fontana se torna coadjuvante na gigante Brasil Foods

Uma série de coincidências marca a trajetória das empresas Sadia, Perdigão, Seara e Chapecó Alimentos. As quatro nasceram como criadoras de porcos, foram fundadas mais ou menos na mesma época (entre as décadas de 30 e 50 do século passado) e na mesma região, o oeste de Santa Catarina. Todas se transformaram em gigantes do setor brasileiro de alimentos. Décadas depois, correndo o risco de quebrar, todas as empresas acabaram sendo vendidas por suas famílias fundadoras. Primeiro foram os Paludo, que, nos anos 80, venderam a Seara para a então processadora de soja Ceval (hoje, a Seara pertence à americana Cargill). Em seguida, os Brandalise venderam a Perdigão para oito fundos de pensão. No final da década de 90, a família De Nês vendeu a Chapecó para o grupo argentino Macri (em 2005, a Justiça decretou a falência do frigorífico). E, por fim, chegou a vez dos clãs Furlan e Fontana. Depois de 65 anos à frente da Sadia, as famílias passaram a ocupar uma posição secundária na gestão da Brasil Foods (BRF), empresa resultante da fusão entre a Sadia e a Perdigão. "Sentíamos orgulho de ser a última das quatro famílias a manter o controle do negócio. Fiquei triste quando vi que a estrutura da BRF teria apenas 32% de participação da Sadia. Meu avô não gostaria de ver isso", diz Yara Fontana, herdeira da terceira geração da Sadia.

A epopeia familiar da Sadia teve início com o gaúcho Attilio Francisco Xavier Fontana, fundador da companhia. Filho de colonos italianos, Fontana começou a empreender por volta dos 20 anos de idade. Em pouco tempo, já comandava um pequeno armazém e transportava porcos vivos de Santa Catarina para São Paulo. Na década de 40, comprou o frigorífico que daria origem à Sadia e passou a vender produtos industrializados. O primeiro grande salto no crescimento da empresa se deu nos anos 50. Fontana criou uma estratégia para levar alimentos perecíveis até São Paulo em uma época em que ainda não existiam caminhões refrigerados. A solução envolvia o uso de um avião da Panair do Brasil. A experiência aérea levou seu filho Omar a criar a Sadia Transportes Aéreos, embrião da Transbrasil. O fundador teve ainda uma destacada carreira política. Foi deputado federal e vice-governador de Santa Catarina. Quando Attilio Fontana morreu, em 1989, a Sadia já ultrapassava 1 bilhão de dólares em faturamento, havia diversificado seu portfólio de marcas, produzindo artigos com margens de lucro maiores, e tinha se tornado uma das principais exportadoras brasileiras.

Dezenas de parentes seguiram Fontana e contribuíram para o crescimento da Sadia - o empresário teve oito filhos. Hoje, há mais de 100 acionistas entre os membros da família, sendo que seis grandes ramos participam ativamente da gestão. Entre todas essas pessoas, porém, duas se destacaram tanto na expansão da empresa quanto nesta última e derradeira fase: Walter Fontana Filho e Luiz Fernando Furlan, ambos netos de Attilio Fontana. A Walter Fontana Filho, que abriu a primeira fábrica do grupo no exterior, coube o papel (imerecido, segundo ele próprio) de vilão da história. Em sua gestão, ocorreram dois episódios trágicos. O primeiro foi a desastrada tentativa de aquisição da Perdigão por meio de uma oferta hostil. Feita sem o planejamento adequado, a investida foi prontamente rejeitada, gerando frustração e ressentimento. O segundo e fatídico episódio foi o das perdas com derivativos. Ao jogar seu destino na roleta do mercado de câmbio, a empresa registrou o primeiro prejuízo anual de sua história: 2,5 bilhões de reais. Foi exatamente esse rombo que colocou uma empresa operacionalmente saudável à beira da insolvência e motivou as conversas com a Perdigão. Diante de tal estrago, Fontana Filho viu-se forçado a deixar a presidência do conselho da Sadia. "Meus amigos e minha família sabem que também fui vítima", disse Walter Fontana Filho a EXAME. Após perder 6 quilos e ter tido dificuldade para dormir, Fontana Filho sofreu recentemente mais um revés. Há cerca de um mês, durante uma reunião com os acionistas controladores, ele tentou voltar para o conselho da Sadia. Uma facção da família manifestou-se contrária à ideia. Hoje, ele passa boa parte de seu tempo no escritório que montou em São Paulo.

O segundo herdeiro de Attilio com papel decisivo na história da Sadia é Luiz Fernando Furlan. No período em que ele esteve à frente do conselho, a empresa entrou em novas categorias de produtos, como sobremesas e pizzas, e passou a ter suas ações negociadas em Nova York. Depois de uma bem-sucedida passagem pelo Ministério do Desenvolvimento no primeiro governo do presidente Lula, foi chamado às pressas para tentar salvar a empresa das aventuras especulativas com o dólar. Com carta branca dos membros da família, ele ainda tentou outras soluções antes de fechar com a rival Perdigão (veja reportagem na pág. 18). Sua atuação foi decisiva no acordo que originou a BRF. Um exemplo foi a rapidez na hora de resolver o destino do banco e da corretora Concórdia, dois ativos da Sadia que estavam travando as negociações. Foi Furlan quem levou a proposta de venda das duas instituições para a família controladora. Por essa proposta, o clã teria seu número de ações na BRF reduzido. Depois de alguns telefonemas, Furlan conseguiu que a ideia fosse aceita. "Não podíamos deixar que essa questão impedisse um negócio que faz todo o sentido", diz Eduardo Fontana d’Ávila, conselheiro da Sadia e membro da terceira geração. "Como não dava para voltar atrás no episódio dos derivativos, fizemos do limão uma limonada."

O fim da Sadia como empresa independente ganha contornos ainda mais dramáticos se contrastado com seu inegável histórico de sucesso. Com 12 bilhões de reais em faturamento, a companhia é hoje líder nos principais segmentos em que atua. Em um ranking elaborado pela consultoria inglesa Interbrand, a marca Sadia já foi eleita por quatro vezes a mais valiosa do Brasil no setor de alimentos e, como gosta de contar o próprio Furlan, é reconhecida nos lugares mais improváveis. "Estava no aeroporto de Singapura quando um dos passageiros olhou meu pin na lapela com a nossa marca, o S de Sadia, e veio falar comigo: ‘Sá-dia. Sá-dia’ ", diz Furlan. Além de Singapura, a empresa exporta para mais de 100 países. Pouco tempo antes da implosão causada pelos derivativos, o clima de prosperidade era tamanho que quatro consultorias trabalhavam ao mesmo tempo a fim de prepará-la para uma nova fase de expansão. Um dos planos era construir uma fábrica em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes. O outro era abrir o capital da operação da empresa na região.

Apesar de ter planos ousados, as famílias controladoras sempre foram um limitador para a expansão da Sadia. Para não diluir sua participação, a empresa não fez emissões de ações nos últimos dez anos - uma das principais formas de financiar o crescimento das companhias. Já a Perdigão, de capital pulverizado, lançou mão dessa estratégia duas vezes nesse período, inclusive para comprar a empresa de laticínios Eleva, em 2007. O reflexo dessa situação pode ser visto na evolução do valor de mercado das duas concorrentes (veja quadro na pág. 22). Enquanto o valor da Perdigão na bolsa aumentou 132 vezes nos últimos 20 anos, o da Sadia cresceu apenas seis vezes. Com uma valorização tão modesta de seu patrimônio e com a dívida gigantesca da empresa, a participação das famílias Fontana e Furlan na gigante BRF acabou limitada a aproximadamente 12% do capital. E se os herdeiros não participarem da operação de emissão de ações, que está programada para julho, esse percentual deve cair ainda mais, para cerca de 10%. Estima-se que os fundos de pensão que controlam a Perdigão deverão manter seus atuais 27%. Diante desse cenário, a ingerência dos Fontana e dos Furlan na gestão da BRF ficará limitada ao direito de falar. Se serão ouvidos ou não é uma questão que só o tempo (e os fundos de pensão) poderá responder.

A epopeia familiar da Sadia teve início com o gaúcho Attilio Francisco Xavier Fontana, fundador da companhia. Filho de colonos italianos, Fontana começou a empreender por volta dos 20 anos de idade. Em pouco tempo, já comandava um pequeno armazém e transportava porcos vivos de Santa Catarina para São Paulo. Na década de 40, comprou o frigorífico que daria origem à Sadia e passou a vender produtos industrializados. O primeiro grande salto no crescimento da empresa se deu nos anos 50. Fontana criou uma estratégia para levar alimentos perecíveis até São Paulo em uma época em que ainda não existiam caminhões refrigerados. A solução envolvia o uso de um avião da Panair do Brasil. A experiência aérea levou seu filho Omar a criar a Sadia Transportes Aéreos, embrião da Transbrasil. O fundador teve ainda uma destacada carreira política. Foi deputado federal e vice-governador de Santa Catarina. Quando Attilio Fontana morreu, em 1989, a Sadia já ultrapassava 1 bilhão de dólares em faturamento, havia diversificado seu portfólio de marcas, produzindo artigos com margens de lucro maiores, e tinha se tornado uma das principais exportadoras brasileiras.

Dezenas de parentes seguiram Fontana e contribuíram para o crescimento da Sadia - o empresário teve oito filhos. Hoje, há mais de 100 acionistas entre os membros da família, sendo que seis grandes ramos participam ativamente da gestão. Entre todas essas pessoas, porém, duas se destacaram tanto na expansão da empresa quanto nesta última e derradeira fase: Walter Fontana Filho e Luiz Fernando Furlan, ambos netos de Attilio Fontana. A Walter Fontana Filho, que abriu a primeira fábrica do grupo no exterior, coube o papel (imerecido, segundo ele próprio) de vilão da história. Em sua gestão, ocorreram dois episódios trágicos. O primeiro foi a desastrada tentativa de aquisição da Perdigão por meio de uma oferta hostil. Feita sem o planejamento adequado, a investida foi prontamente rejeitada, gerando frustração e ressentimento. O segundo e fatídico episódio foi o das perdas com derivativos. Ao jogar seu destino na roleta do mercado de câmbio, a empresa registrou o primeiro prejuízo anual de sua história: 2,5 bilhões de reais. Foi exatamente esse rombo que colocou uma empresa operacionalmente saudável à beira da insolvência e motivou as conversas com a Perdigão. Diante de tal estrago, Fontana Filho viu-se forçado a deixar a presidência do conselho da Sadia. "Meus amigos e minha família sabem que também fui vítima", disse Walter Fontana Filho a EXAME. Após perder 6 quilos e ter tido dificuldade para dormir, Fontana Filho sofreu recentemente mais um revés. Há cerca de um mês, durante uma reunião com os acionistas controladores, ele tentou voltar para o conselho da Sadia. Uma facção da família manifestou-se contrária à ideia. Hoje, ele passa boa parte de seu tempo no escritório que montou em São Paulo.

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